5º Reis de Portugal
As genealogias portuguesas não referem o nascimento de filhos do primeiro casamento.
Foy ElRey de aspecto magestoso, olhos pequenos, mas muy vivos, branco, córado, cabellos pretos, de estatura agigantada, a que se união grandes forças. Quando foy aberto o seu sepulchro, em tempo delRey D. Sebastião, se admirarão todos os que o virão" (HGCRP-Tomo I-pg.106)
Quinto rei de Portugal, segundo filho de D. Afonso II e de D. Urraca, irmão de D. Sancho II, nasceu em Coimbra a 5 de Maio de 1210, m. a 16 de Fevereiro de 1279. Arrancou a coroa ao irmão. fazendo-se regente, depois de o papa lnocêncio IV haver privado do governo a D. Sancho II. As desordens do reinado deste monarca, que subira ao trono ainda menor, deram pretexto a tal procedimento. Quando chegou à idade viril, o infante D. Afonso partiu para França (1227), onde foi muito bem recebido por sua tia. a grande rainha D. Branca de Castela, irmã de sua mãe. Em 1238, casou ali com D. Matilde, condessa de Bolonha, viúva de Filipe, o "Crespo", ficando, por êsse facto, conde sobe rano e feudatário e vassalo de Luís IX, a quem acom panhou na guerra contra Henrique III de Inglaterra, distinguindo-se na bata)ha de Saintes (1243). Enquanto combatia em França e administrava o condado de Bolo nha, agravava-se a desordem em Portugal, bem como a hostilidade duma parte das classes privilegiadas contra o rei. Neste estado de coisas agradava sobremaneira a alguns membros do alto clero, e o bispo do Pôrto e o arcebispo de Braga, residentes em Leão, junto de Inocêncio IV, aproveitaram-no com habilidade. Não se limitavam, já, a acusar o rei como fautor das violências de que sofriam (ou que êles alegavam) a Igreja e o povo: acusavam-no também de totalmente incapaz para o go vêrno. Era o primeiro passo para a deposição, que Inocêncio IV folgaria de proclamar, inc!usivamente para mostrar ao seu poderoso adversário, o imperador Frederico II, quanto ainda poderiam ferir os raios fulminados pela Sé apostólica. No entanto, não bastaria isso se não aparecesse um homem que tivesse autoridade suficiente para se pôr à testa do partido adverso a D. Sancho lI, e para dar execução, com a fôrça material, aos decretos da Cúria. Era êsse homem que os dois prelados tratavam de encontrar. Lembraram-se do infante D. Afonso, que, sendo ambicioso, fàcilmente se deixaria convencer. Entraram em negociações com êle, e nos fins de 1244, princípios de 1245, celebraram-se entre D. Afonso e os prelados, os preliminares do pacto pelo qual o infante foi reconhecido, pelos seus cúmplices, como regente do reino, pacto que o papa sancionou. excomungando D. Sancho e depondo-o. Tudo favorecia e deposição do monarca: a boa vontade do pontífice em aceder aos desejos daqueles prelados: as discórdias de Portugal. que haviam colocado em hostilidade com a coroa os chefes de algumas das principais famílias; e as relações de parentesco que uniam alguns fidalgos partidários de D. Afonso e residentes com ele em França e muitos senhores também de grande influência. D. Afonso precisava de um pretexto para vir a Portugal, pois não podia apresentar-se no país, acompanhado de um exército, sem motivo. Tratou o papa de lhe proporcionar êsse pretexto, expedindo bulas em que o convidava à guerra santa. A esquadra que transportasse D. Afonso entraria em Lisboa como em geral faziam todas as frotas de cruzados. O acaso ia transtornando êste estratagema. porque Luiz IX preparou-se, a valer, para a cruzada. e D. Afonso. como seu feudatário, via-se obrigado a acompanhá-lo. Ainda aqui lhe valeu o pontífice, expedindo nova bula em que designava a Espanha em luta com os sarracenos. como o campo onde deveria D. Afonso cumprir o seu voto. Esta nova orientação proporcionava à Santa Sé o ensejo de outorgar indulgências aos combatentes portugueses que se unissem a D. Afonso. Encerrado o concílio de Lyon, expediu o pontífice uma bula ao reino de Portugal declarando que, dada a incapacidade do monarca. a anarquia do reino, os padecimentos da Igreja e do povo, ele, papa, incumbia o conde de Bolonha do encargo do govêrno para remediar os agravos que D. Sancho deixara cometer, e ordenava a todos os vassalos que obedecessem ao infante, como governador do reino; outra bula era expedida ao infante. recomendando-lhe que partisse logo para Lisboa, a-fim-de cumprir a sentença pontifical. Antes, porém. da partida. O bispo do Pôrto, o de Coimbra e o arcebispo de Braga foram de propósito a Paris, onde então residia o infante e aí lhe impuseram humilhantes condições. em que êle, sem hesitação. conveio. D. Afonso. a julgar pelo que depois se viu. reservava-se. in mente, o direito de as violar. Partiu afinal para Lisboa. aonde chegou nos princípios de 1246 e onde logo se lhe vieram juntar muitos dos fidalgos seus partidários. A cidade de Lisboa declarou-se por êle e o mesmo fizeram outras terras. para o que não deixou de concorrer o dinheiro que D. Afonso encontrou no tesouro em Lisboa. e que empregou em comprar os alcaides de castelos e governadores de vilas e cidades. A guerra que se travou, entre os partidários do conde de Bolonha (o qual tomara o título de «visitador e curador do reino») e os de D. Sancho 11. não foi tão rápida e fácil como seria levado a supor pela exposição dos prelados ao pontífice, a qual apresentava todo o reino como indignado contra o soberano. As coisas caminhavam devagar. O território sujeito, espontâneamente. ao conde não passava do Sul do país, e, acaso, tão só da maior porção de Estremadura. Uma parte importante do clero e da nobreza dava apoio ou simpatia a D. Sancho. o qual. com o seu valido, Martim Gil, dominava ao Norte tudo ou quási tudo e opunha uma resistência tenaz. O possível rapto da rainha. D. Mécia Lopes de Haro. contado pelo Nobiliário, prende-se talvez com os receios que tinha D. Afonso de que nascera algum filho legítimo do rei. pois que. não havendo sido proclamada a deposição dêste passaria a coro" para seu filho. já que D. Afonso fôra tão só nomeado curador e regente. Diz-se que Raimundo Viegas de Portocarreiro, um dos irmãos do arecebispo de Braga. Acompanhado, provàvelmente, de outros, entrara disfarçado em Coimbra de envolta com alguns esquadrões de homens de armas do valido, Martim Gil de Soverosa, e arrancara de ali, uma noite, a rainha, conduzindo-a à forte Vila Nova de Ourém. Debalde marchou D. Sancho a libertar sua mulher: as tropas do conde, já assenhoreadas do castelo, responderam com tiros às intimações do monarca, que teve de retirar-se. O rei pediu auxílio ao princípe de Cas tela (mais tarde Afonso X), e esperou que, por intervenção dêste, não promulgasse Inocêncio IV a bula de deposição. Com efeito, não era o papa insensível às repetidas instâncias do príncipe espanhol, e já desconfiava do conde de Bolonha. D. Sancho, porém, nada conseguiu, e retirou-se, finalmente, para Castela, acompanhado de não poucos fiéis. Foi residir em T oledo, onde faleceu, em Janeiro de 1248. D. Afonso foi então solenemente aclamado rei. A si tuação do reino era lamentável. Às ruínas materiais - campos talados, casas arruinadas, castelos desmantelados - juntavam-se os destroços de ordem moral, com os ódios entre os que honradamente se haviam mantido fiéis a D. Sancho e os que se tinham vendido a D. Afonso. Agravava o mau carácter do novo monarca, que era ambicioso, reservado, falto de escrúpulos e vingativo, tão inclinado a enriquecer por todos os modos, ainda os mais indecorosos, os seus validos, como a perseguir e vexar os que lhe eram desafectos. Para fazer face às despesas e favorecer os amigos, vendeu terras da coroa e confiscou as que eram dos partidários de D. Sancho. Entre aquêles, foram imensamente favorecidos o chanceler Estêvão Anes e D. João Peres de Aboim. A morte inesperada de D. Sancho deu, subitamente, a coroa, ao conde de Bolonha. Os que seguiram o vencido viram-se obrigados a pactuar com D. Afonso, ou a emigrar para o estrangeiro, para evitar a sua vingança. As relações com Castela não foram difíceis de regular, graças às boas disposições de Fernando III. Por influência deste, seu filho, o futuro Afonso X, celebrou com Afonso III uma trégua de quarenta anos. Ao mesmo tempo, foi reconhecido a Portugal o domínio do Algarve. Até a morte de D. Fernando (30 de Maio de 1252), permaneceu o Bolonhês no direito incontestado dessa província. Afonso X, porém, disputou-lho. Sancho II formara o domínio português no A!entejo; as ordens militares haviam prosseguido as suas emprêsas, e com freqüência salteavam, da extremidade daquela província, as terras muçulmanas do Algarve. Foi à Ordem de Sant'lago, e em particular ao comendador de Alcácer, D. Paio Peres Correia, que esteve confiada, no tempo de D. Sancho lI, a conquista e defesa do Alentejo meridional, serviço que o rei retribuíu com a doação de Aljustrel, Mértola, Ayamonte e Cacela. É de supor que, quando D. Afonso veio para Portugal como governador, terminassem as operações da Ordem de Sant'lago no Algarve, sendo o empreendimento confiado sobretudo à Ordem de Aviz ou Calatrava, e, particularmente, ao seu grão-mestre, Martim Fernandes. Nos anos de 1249 e 1250, sendo já rei, foi D. Afonso àquela região, mas, ao que parece, em curtas e pacíficas visitas, nas quais encheu de bens os seus dois validos, Estêvão Anes e João Peres de Aboim. Porém, Afonso X, como dissemos, uma vez rei (Maio de 1252) pretendeu a posse do Algarve. É de crer que a sorte das armas lhe não houvesse sido favorável, pois que a campanha terminou por um acôrdo, segundo o qual D. Afonso casaria com D. Beatriz, filha bastarda do castelhano (casamento que só se efectuou depois da morte de D. Matilde), não havendo, porém, testemunhas de absoluta confiança pelo que respeita ao Algarve, Os réditos da província ficariam para o castelhano por tôda a vida, enquanto o português, ao que parece, obtinha a propriedade do território. O certo é que o castelhano não exerceu, durante a sua vida, qualquer acto de verdadeira e imediata soberania na província. Entretanto, rebentava, entre D. Afonso III e o clero, uma luta inevitável. Não era o monarca homem para se resignar às condições que aceitara em Paris, sob a pressão das circunstâncias. Resolveu, com energia, uma questão que se levantara com o bispo do Pôrto, acêrca da cobrança dos direitos aduaneiros, condenando o bispo a uma indemnização. Em 1254, reuniu em Leiria côrtes, que foram as primeiras em que os concelhos se fizeram representar por legítimos procuradores. Desde os tempos dos Visigodos, as juntas, concílios ou parlamentos nacionais haviam sido exclusivamente compostos dos membros do alto clero e da principal nobreza; o povo não intervinha em tais reuniões; das côrtes de 1254, data o chamamento dos delegados municipais à assembléia política. A que se convocou em Leiria, nos fins de Fevereiro, estava já encerrada nos princípios de Abril. Essa curta prova foi aproveitada em administrar remédio às queixas de alguns concelhos, em revalidar os privilégios e liberdades de outros, em confirmar doações ou em conceder reparações aos agravos de vários mosteiros. Assim, D. Afonso III, ao mesmo tempo que buscava satisfazer o povo, lisonjeava o clero com mostras de fervor. As severas providências tomadas anteriormente contra a Sé do Pôrto, num momento de irritação, e que virtualmente iam ferir o comércio do burgo episcopal, foram suprimidas; e, de acôrdo com o vigário daquela diocese (o qual, segundo parece, representava o bispo na ausência dêste), estabeleceram-se as condições que deviam regular a admissão dos géneros e mercadorias que viessem do Alto Douro ou entrassem pela foz do rio, ora no Pôrto, ora em Caia, vila que, sujeita imediatamente à coroa, era a rival da povoação eclesiástica na margem fronteira. Parece que, também nesta conjuntura, se começou a realizar o pensamento de promover a povoação do Alentejo. Pouco depois, as goradas tentativas do rei para quebrar a moeda, e os solenes juramentos que a êsse respeito se viu obrigado a fazer, nas mãos do bispo de Évora, demonstram que o soberano ainda vergava debaixo das concessões feitas em Paris. O aumento da prosperidade e da riqueza monetária do povo permitiu a Afonso III substituir parcialmente os impostos em géneros por impostos em dinheiro. Novas inquirições gerais (1258), mais rigorosamente feitas que as de D. Afonso lI, em 1220, permitiram a encorporação na coroa de muitos bens que haviam sido usurpados, e de uma mais eficaz arrecadação do imposto. Em 1261, buscou novamente D. Afonso pôr em prática a providência, já anteriormente tentada, da quebra da moeda (cunhar de novo a prata, acrescentando-lhe mais a liga e dando-lhe curso com o mesmo valor nominal da antiga). Reüniram-se côrtes em Coimbra, em que se autorizou a fundição de dinheiro com valor nominal superior ao intrínseco, e o lançamento de um imposto destinado a resgatar a moeda em circulação. Se as cortes de 1254 assinalam uma data importante na nossa história política, a da admissão dos concelhos aos parlamentos nacionais, as de 1261 ofereceram outra circunstância não menos importante: a de se reconhecer que o lançamento dum tributo geral, sôbre a propriedade, era, não direito do rei, mas concessão do país. As providências tomadas entre 1258 e 1265 com o da objectivo de proteger os colonos e os membros dos concelhos, súbditos imediatos da coroa, e a reconduzir os tributos ao seu legítimo destino, feriam a nobreza e os seus clientes; porém, as que se promulgaram em 1265 continham gravíssimas provisões que abrangiam igualmente a mais poderosa das classes privilegiadas, a do clero regular e secular. O abuso, convertido pela sua longa existência em costume, era já considerado como um direito; e as ordens do rei, ferindo muitíssimos interêsses, alterando muitíssimas situações, haviam de agitar todo o reino, e em especial, as províncias do Norte. As providências adoptadas para remediar as desordens que as inquirições patenteavam, deveriam ter sido a origem das lutas terríveis que D. Afonso III teve de sustentar, nos últimos anos do seu reinado. O clero, prejudicado nos seus interêsses (tinha não pequeno quinhão nas expoliações que exigiam tão ásperos remédios), reagiu violentamente. Dos nove prelados que presidiam às dioceses de Portugal, sete colocaram-se em plena hostilidade com Afonso III; cinco, deixando pôsto interdito no reino, dirigiram-se à cúria pontifícia. As discussões do monarca com a Santa Sé foram-se protelando, até que, a 4 de Setembro de 1275, era expedida a bula De regno Porlugaliae, em que o papa ordenava ao rei que seguisse fielmente as estipulações de Paris, e desse ao clero tôdas as satisfações possíveis. Para cumprir estas ordens, dava-lhe o pontífice quatro meses, findos os quais, se não estivessem cumpridas, seria o rei excomungado. Essa excomunhão veio a efectuar-se, mas não teve sensíveis efeitos políticos. D. Afonso conservou-se firme, até que caíu doente. À hora da morte, aquela alma enérgica cedeu. Chamando à sua presença Durando de Évora, o único bispo que seguia a côrte, dois cónegos, vigários da diocese de Lisboa, e dois frades, o rei moribundo declarou solenemente, perante êles e perante os seus conselheiros e ministros, que, posto fosse sua intenção havia muito, dar o juramento de respeitar as imunidades eclesiásticas e obedecer aos mandatos apostólicos, ressalvando os direitos do reino e de seus filhos e vassalos, agora queria jurar, sem reservas nem condições. Um dos vigários de Lisboa tomou-lhe o juramento sôbre os Evangelhos, obrigando-se o infante D. Dinis, que assistia à cena, a cumprir as promessas que seu pai não pudesse efectivar. Ocupava o sólio pontifício, em 1265, o papa Clemente IV, o qual, como todos os seus antecessores, não cessava de instar com Afonso X para que cumprisse a sua promessa de cruzada. Pareceu o monarca disposto a aceder a tais instâncias, com grande satisfação do pontifice, que o autorizou a levantar a décima de tôdas as rendas eclesiásticas, não s6 no seu reino, mas também em Portugal; porém, a esta concessão singular impôs êle uma restrição: a de não poder Afonso X cobrar em Portugal a décima designada, no caso, ou de D. Afonso andar envôlto em guerra com os sarracenos, ou de se prontificar a auxiliar o sogro na cruzada que ia empreender. A primeira hipótese não se verificava; a segunda, estava em mão de D. Afonso III o realizá-Ia. Enviando socorros a Castela, tornava-se credor de uma dívida de reconhecimento. Para dar mais fôrça persuasiva ao seu proceder, enviou seu filho D. Dinis, criança que não tinha ainda sete anos, a visitar o avô. O estratagema surtiu efeito. E assim, por actos sucessivos de generosidade, Afonso X cedeu ao neto, inteiramente, a província do Aigarve. Faleceu D. Afonso 111 a 16 de Fevereiro de 1279, sendo sepultado em Alcobaça. Alexandre Herculano, na História de Portugal, resume assim o seu juizo sôbre êste monarca: «Embora, em relação ao clero, o seu procedimento, visto a certa luz, se possa taxar de ingrato, é certo que nos actos que deram origem a tantos agravos havia, de sua parte, um pensamento que o absolvia-a organização da fazenda pública. Se, finalmente, uma ou outra vez, durante seu govêrno, a opressão tomou o lugar da justiça, pelo que tocava aos povos, êles deviam perdoar êsses impulsos da tirania ao príncipe que abrira às municipalidades as portas das assembléias políticas do país, chamando-as, assim, a constituírem um dos corpos do Estado, e habilitando-as para pugnarem, colectivamente, a favor dos seus povos e liberdades".