1º. Capitão donatário da Ilha Graciosa
ILHA GRACIOSA (AÇÔRES)
DESCRIÇÃO HISTÓRICA E TOPOGRAFICA
Angra do Heroísmo
IMPRENSSA DA JUNTA GERAL
1883
POR
António Borges do Canto Moniz
Chefe de secção da fiscalização externa do corpo nº. 4
Era de suma importância o cargo de capitão donatário e alcaide-mor; vastíssimos poderes lhe conferiam os monarcas, como se vê da antiga carta de doação passada a D. Álvaro Coutinho, capitão donatário desta ilha, que adiante apresentamos ao leitor sob a letra A. Era nada menos que um vice-rei, se atendermos aos grandes interesses, privilégios e regalias que os monarcas geralmente lhes concediam. Pertenciam ao capitão donatária os direitos da redizima de todos os tributos cobrados dos na sua ilha; tinha a autoridade militar; possuía moinhos e fornos de pão e tinha também o privilégio de vender sal; conhecia das apelações e agravos até à alçada de vinte mil réis nos feitos civis e de quinze nos crimes, quantias naquela época bastante avultadas; concorria ás eleições de juízes ordinários e câmaras; em uma palavra, tinha quase toda a gerência pública, que só acabou aqui definitivamente com a criação dos juízes de fora.
O monarca reservava para si o direito de morte e tolhimento de membros, e antes desta restrição, o donatário segundo consta, no crime condenava a degredo, mandava decepar membros e tocar ferros quentes, asseverando o Dr. Frutuoso que eram todos fidalgos da casa real e dos mais beneméritos portugueses do seu tempo! Enfim o donatário era perfeitamente um vice-rei governando a ilha politica, militar e judicialmente. Com respeito à importância do cargo de alcaide-mor, esclarece-nos sobejamente A. Herculano nestas palavras: este cargo militar, que hoje é um título simplesmente honorifico, conservado como uma recordação entre as nobres famílias cujos ascendentes o exercitaram, foi na sua origem dos mais importantes do Estado. Houve tempos em que os alcaides-mores, eram os homens de quem dependia quase exclusivamente a existência politica e independência das diversas monarquias, que a extinção do reino visigótico pelas armas dos sarracenos, e a reacção do cristianismo contra estes fizeram nascer e constituir-se em Península.
Por tudo isto se evidência bem a grande importância do cargo de capitão donatário e alcaide-mor, que era sempre dado a homens distintos pelos seus bons serviços e qualidades.
O primeiro capitão donatário da Graciosa foi, e Duarte Barreto, ilustre cidadão do Algarve, casado com uma irmã de Vasco Gil Sodré, cujo nome até hoje não pudemos descobrir, limitando-se a sua capitania somente à metade da ilha, que compreendia a parte da Praia, onde o mesmo capitão se achava estabelecido com sua família e colonos.
Tendo sido preso pelos piratas espanhóis depois daquele memorável tiroteio no recanto da Caldeira, levaram-no para bordo do navio onde segundo consta o assassinaram, juntamente com alguns criados seus. Ficou na ilha a viúva do capitão Barreto, e passando a viver em companhia de seu irmão Vasco Gil Sodré, não contraiu segundas nupciais; nem deixou descendência. Vaga a capitania, Pedro Corrêa da Cunha, como se disse, apresentou-se a requere-la e obteve a donatária de toda a Graciosa, possuindo já nesse tempo a de Porto Santo, alegando na sua pretensão que a ilha era pequena para duas capitanias. É certo que Pedro Corrêa, antes de passar a esta terra já tinha conseguido a donatária de metade dela por mercê do infante D. Henrique, obtendo depois da morte do capitão Barreto a outra metade para o lado norte. Veio portanto estabelecer-se na Graciosa no ano de 1485, e aqui viveu alguns anos no lugar do Castelo, como em outra parte se disse. Era casado com D. Izeu Perestrello de Mendonça, filha do primeiro donatário da ilha do Porto Santo, Bartholomeu Perestrello e de sua mulher D. Beatriz Furtado de Mendonça. Foi Pedro Corrêa da Cunha capitão donatário de toda esta ilha e o edificador da Vila de Santa Cruz.
Passado tempo, talvez aborrecido da residência na ilha, ou por outros motivos que ignoramos, embarcou para Lisboa, falecendo ali no ano de 1497, e foi sepultado na capela de S. João da igreja do Carmo, de que era padroeiro. Seu filho primogénito, Jorge Corrêa da Cunha, ficou governando interinamente a ilha Graciosa, na sua ausência, até ao ano de 1495 em que faleceu, vivendo ainda Jorge Corrêa casou com D. Leonor de Mello ficando deste matrimónio muita descendência, não só nesta ilha, como na Terceira, com tudo os filhos não sucederam no governo da capitania, mas seu irmão Duarte Corrêa da Cunha; e como este não tivesse descendência dos dois matrimónios que contraiu, nem também os filhos de Jorge Corrêa da Cunha se habilitassem, vagou a capitania nesta família (Manuscrito antigo, em poder de António Gil), passando depois a diferentes, conforme se verá do quadro que abaixo apresentamos ao leitor, baseado nos livros de registro da câmara de Santa Cruz. A sucessão caducou na família Coutinho, em cujo poder esteve largos anos a capitania da ilha Graciosa, e no ano de 1666, achando-se vaga, D. Afonso fez mercê dela Luiz Mendes d'Elvas, e por morte deste, fez D. Pedro mercê da capitania ao alcaidaría-mor vaga a Pedro Sanchez Farinha. No ano de 1703 vagou para a coroa; porém em 1708 D. João fez nova mercê a Rodrigo Baena Farinha, filho daquele Pedro Sanchez Farinha. No ano de 11734 foi provido na capitania outro Pedro Sanches Farinha pelo falecimento de seu pai, ocorrido em 1730. Aqui acabaram os donatários da ilha Graciosa, sendo a capitania incorporada na coroa por falta de sucessão do último donatário.
Concluindo, vê-se portanto que a ilha Graciosa, logo depois do seu descobrimento em 1450 até 1734, foi governada por catorze donatários pela ordem seguinte:
Duarte Barreto (metade da ilha) 1465
Pedro Corrêa da Cunha (toda a ilha) 1485
Duarte Corrêa 1499
D. Fernando Coutinho 1507
D: Álvaro Coutinho 1510
D. Álvaro Coutinho 1524
D. Fernando Coutinho 1552
D. Fernando Coutinho 1573
D. Fernando Coutinho 1593
D. Fernando Coutinho 1626
Luiz Mendes d'Elvas 1666
Pedro Sanchez Farinha 1674
Rodrigo Sanches Baena Farinha 1708
Pedro Sanches Farinha Baena 1734
Residiu na Graciosa pelo ano de 1485 na parte Norte, no lugar do Castelo, junto ao outeiro das mentiras.
Está sepultado na Igreja do Carmo, na capela de S. João de que era padroeiro.
Para esta mesma capela foram transladados os ossos da sua mulher que tinha sido sepultada na capela mór de Matriz de Santa Cruz da ilha Graciosa.
Fundador da vila de Santa Cruz