De GENEALOGIAS DA ILHA TERCEIRA, autores J.F. e A.O.M.
Cópia integral do capítulo III «A Família de Pedra Anes do Canto - Os Senhores da Casa dos Remédios» do livro do autor (IF.) O Solar de Nossa Senhora dos Remédios - Canto e Castro - História e Genealogia, Angra, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1979, p. 147-201, com a versão que lhe foi dada na 2ª. edição, revista e aumentada, publicada pelo mesmo Instituto em 1996, p. 125-187, as quais, por sua vez, já reflectiam o trabalho conjunto desenvolvido pelos autores, como então foi dito.
Felgueiras Gayo, referindo-se a João do Canto diz o seguinte: (Felgueiras Gayo, Nobiliário de Famílias de Portugal, tít, de Cantos, § 1°, nº 1)
«Conde estavel do Principe de Gales, q veio a Castella a favor do ReY D. Pedro contra seu Irmão D. H.e era Cavalheiro Inglez e natural da província de Kent q na Iingua antiga Britania se dezia Caint, e na Latina Cantium», e mais nada de substantivo acrescenta sobre as circunstâncias em que os Cantos se teriam fixado na Península, ficando-se com a ideia que foi João do Canto (ou John ofKent), o primeiro que passou a Castela.
Uma memória genealógica (Memória redigída por Manoel do Canto de Castro e datada de 5.2.1621, in B.P.A.P.D., Fundo Emesto do Canto, Documentos da Casa de Miguel do Canto e Castro da Ilha Terceira oferecidos pelo Dr. EduardoAbreu, vaI.. I', doe. 289, fl. 9-v. e seguintes) redigida por Manuel do Canto de Castro, neto de Pedro Anes do Canto dá-nos, no entanto, uma versão mais completa dos acontecimentos: Transcreve-se, na íntegra esse documento, com os necessários comentários:
«A origem e desçendencia dos de Canto vem de Inglaterra e entrou no Reyno de Portugal na maneira seguinte. No anno do Senhor de mil e trezentos e sesenta e outo estando el Rey Dom pedro e o príncipe de Gales no campo da villa de Vitoria (O Príncipe de Gales (1330-1376), conhecido como Príncipe Negro (dada a cor das suas armas) entrou em Espanha pelos Pirinéus e encontrou-se com D. Pedra em Vitória, integrando-se no seu exército com a sua haste, de que o condestável era João do Canto. O memorialista equivoca-se quando diz que isto se passou em 1368, pois foi a 3.4.1367 que os dois exércitos se defrontaram em Najera, entre Burgos e Logrono, saindo vitorioso o exército de D. Pedra. Entre os muitos prisioneiros que se fizeram estava o cronista Pedra Lopez de Ayala e o condestável francês Bertrand du Guesclin, que também entrara em Espanha, mas para se colocar ao lado de D. Henrique), sabendo como vinha cõtra elle gentes cuidando que hera el Rey Dom Amrrique que lhe queria dar batalha ordenaram seus escoadrõens e naquelllugar fes o prinçipe caualeiro a el Rey Dom Pedro (Esta cerimónia verificou-se, realmente, sendo armados cavaleiros, não só D. Pedra, como mais 400 senhores) o qual prinçipe viera de Ingalaterra em sua ajuda, e fauor com grande poder, e estando asim ordenando seus batalhois veyu a elles moizem Joam do Canto vassalo do dito prinçipe, e seu condestabel de graria (sic) e condestabel naquelle izerçito, o qual moizem Joam de Cantos trazendo nas maõs a sua bandeira emRolada e pregada a entregou a EI Rey Dom Pedro e ao prinçipe de gales, aos quais fes esta fala, Dizendo que elle cõ aquella bandeira, e seus vasalos e parentes tinha vençido muitas Batalhas contra fransezes, e feito muitos serviços ao Rey de Ingalaterra, e que nunca sua bandeira fora pregada, nem emRolada ante nenhum prinçipe, nem Rey em batalha em que entrasse masque elle como Leal vassalo do principe e Dei Rey de Ingalaterra seu pay e pella honrra Dei Rey Dom Pedro - elle a entregaua preegada e emrolada pedindolhes a suas altezas olhassem seus seruiços e ao que meresia o Reino de Ingalaterra. Diz a Caronica dos Reis de Ingalaterra, e do Prinçipe de gales que o dito principe e el Rey Dom Pedro tomaram a dita bandeira das mãos do dito comdestabel e a desenRolaram, dizendolhe que bandeira de tal capitam, nam meressia ser emRolada nem pregada, nem abatersse a nenhum Rev antes ser com eIles companheira pella quoal merçe o dito moizem Joam de Cantos lhes bejiou as mãos. Dis mais a Caronica de Ingalaterra que despregada a dita bandeira a deuiza deIla hera hum escudo vermelho com hum canto de prata, e sobre o canto huma medalha de dama como diferença, estas armas sam as que hoie em dia trazem o da caza dos Cantos, em Ingalaterra filhos e netos de duardo de cantos duque deliforte, hoie sam condes, grandes senhores de terras e vaçalos família clara e avalizada naquelles Reinos dos quais as antigas armas hera somente o canto de prata e campo vermelho mas o condestabellhe nadio o vulto da dama e sua empreza em memoria de hum famozo dezafio que vençeo sustentando o direito de huma filha de hum senhor Ingres. Este comdestabel moizem Joam de Cantos quoando EI Rey Dom Pedro de CasteIla casou sua filha Donna costança com o prinçipe de gales seu senhor; (D Constança de Castela (1354-1399), filha natural de D. Pedro, o Cruel, e de Maria la Prdilla, casou em 1372 com John of Gand, duque de Lencastre (irmão do Príncipe Negro, e filhos de Eduardo III de Inglaterra) e pretendente à coroa de Castela, tendo chegado a ser aclamado rei pelos seus partidários em 1386) lhe deu a çidade de soria em Galiza (Há aqui outro equivoco, porque não há nenhuma cidade ou vila com este nome na Galiza. A cidade de Soria, capital da província do mesmo nome, situa-se na zona central de Espanha, em Castela-a-Velha. Esta cidade, esteve realmente envolvida nas lutas fratricidas que dilaceraram a Espanha nos reinados de Pedro o Cruel e seu irmão D. Henrique de Trastárnara - mas não foi concedida a João do Canto, mas antes ao seu adversário Bertrand du Guesclin, indefectível apoiante de D. Henrique) como Consta da sua caronica e numa Batalha que teue com os fransezes emtre grane (. •• ic) e frança foi ferido de morte, posto que vençeo a batalha, e antes que espirasse ordenou que depois seus sucessores emnobreseram. Na hera do senhor de mil e trezentos outenta e sete (Foi em 1386) tornou o prinçipe de gales a galiza trazia consigo sua molher a duqueza Donna costança filha Dei Rey Dom pedro o Cruel de Castella, o quoal, vinha demandalo Reyno e metesse de posse delle, Dizendo que lhe pertençia Por sua molher ser filha dei ReyDom Pedro, que EI Rey Dom amrrique matara, e traziam comsiguo duas filhas as quais nos conselios cazara hua (Refere-se a D. Catarina de Lencastre, que casou com D. Henrique, príncipe das Astúrias (filho de Henrique II Trastárnara) e que mais tarde subiu ao trono de Castela e Leão, com o nome de Henrique lIL) com prinçipe de Castella filho dei Rey Dom amrrique. e a outra que se chamava Donna Phillipa casou com EI Rey de Portugal Dom Joam o Primeiro e quoamdo foram as vistas dei Rey, e do prinçipe (O Duque de Lencastre encontrou-se com D. João I a 1.11.1386 no sítio da Ponte do Mouro, entre Melgaço e Monção) na comarqua do porto terras de soloriquo asentaram que ambos fizessem guerra a castela, e que o dito Rey Dom Joam cazasse com Donna Phillipa filha do dito duque, e porque EI Rey sendo mestre dauis nam podia cazar sem despensaçam, que athe vir a dita despençaçam estivesse em costodia a dita Rainha Donna Phellipa na çidade do Porto em guoarda do Bispo da dita çidade, e doutros fidalgos Ilustres com elle ficaram para o servirem com a dita Rainha ficaram suas damas que com elle vieram Ingrezas, entre as quais hera Donna Maria enes de cantos filha do Comdestabel Moizem Joam de Cantos de que se fez mençam. Depois que EI Rey Dom Joam lhe veyo a despençaçam e esteue com a Rainha sua molher (O casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre verificou-se a 2.2.1387) cazou algumas damas das que vierão com a dita Rainha em que cazou esta Donna Maria enes do Cantos com hum fidalgo que se chamaua Lopo gomes de lira, filho dt- Affonço gomes de lira, natural de Galiza, o quoal affonço gomes hera fronteiro mor, ou meirinho mor dantre douro e minho senhor das terras de vai daves e coura, AIcaide mor de ponte de lima braga e viana, o quoal Affonço gomes de lira foi cazado com huma filha de Joam gomes dabreo senhor de Regalados, e destes hera filho lopo gomes de lira qual por morte de seu pai que se mandou enterrar em galiza no mosteiro de selanoua, herdou estas terras e frontarias a quoal cazou EI Rey Dom Joam com a dita donna Maria enes do canto, e por isso lhe confirmou as terras, esta na torre do tombo no liuro do Registo DeI Rey Dom Joam o primeiro de boa memoria o registo que dis «Doaçam e Comfirmação que fes EI Rey Dom Joam a lopo gomes de lira meirinho mor, em antredouro e minho, e a sua molher Donna Maria enes do canto das terras de valdeves coura». Quando foram as guerras antre portugal, e castella, a saber el Rey Dom Joam de Castella e el Rey Dom Joam de Portugal entrando el Rey Dom Joam de Castella por Portugal parte dos lugares dantre douro e minho tomarão vos por elle a que tambem fes lopo gomes de lira que tinha a postos seus Irmãos em bragua, e viana, e elle estaua em ponta de lima admenistrando as terras que ficaram de seu pay em que EI Rey a confirmou quando o cazou com a dita donna maria enes do canto. Estando asim aleuantado o dito lopo gomes depois de se hir EI Rey de Castella desbaratado de Portugal ficaram esperando socorro todos os lugares que sua vos tinham tomado, e que Reformasse seu lzerçito o quoal nam veyo antes EI Rey Dom Joam de Portugal tornou a cobrar todos os lugares que em elles estauam alauantados primeiro tomou viana, e Braga, e logo sercou ponta de lima e o dito lopo gomes se recolheo ao Castelio onde se defendeo muitos dias esperando socorro el Rey fazia muitos partidos que nam quis aseitar estando ja em muito aperto, e a jente coase ja amotinada, lhes deo el Rey hum combate muy forte pondo fogo as portas do Castello com matriais de modo que vendosse ja sem nenhum Remédio aparesseo sua molher Donna maria enes do Canto pedindo a EI Rey em altas vozes mezericordia. Diz a caronica deI Rey que hum fidalgo que se chamaua Joam Gomes da Silua Disse a EI Rey Senhor doeiuos da molher de lopo gomes ainda que seu marido a nam mereça 'pois veyo com a Rainha may dos vossos filhos, EI Rey mandou logo sessar o combate, e o Castello se lhe deu, e lhes outorgou as vidas. Dis mais a caronica que num sesto pellos muros em cordas deseram a dita dona maria enes do canto, EI Rey os destaRou logo de seus Reynos e lhe tomou todas as terras, e frontarias que tinha e as deu a lionel de lima que o auia bem seruido nas guerras, e elles se foram para galiza pera humas terras de seu patrimonio juncto a villa daraujo e mosteiro de sellanoua honde jas sepultado seu pai Affonço Gomes, e o dito lopo gomes em breves dias morreo e está emterrado com o dito seu pai em o ditto mosteiro da sella noua que he dos frades bentos (Vejamos a versão de Femão Lopes (A Crónica dei Rei Don Joham l, Parte Segunda, Lisboa, Imprensa Nacional, 1977, p, 29-37:«Em Ponte de Lima estaua por fronteiro Lopo Gomes-de Lira, criado del-Rey dom Fernandoo e rneyrynho moor daquelIa comarca; e tijnha hy a molhcr e os filhos, manteendo voz por el-Rey de CastelIa. Este auya conssygo muytos bons escudeiros e assaz homeens de pee e beesteiros, bem oiteenta, e dontra gente assy do Ioga r come do termo que pera sua defemssom auya hy que auondasse ( ... ). E todalIas portas estauom çarradas com pedra, senom a da ponte per omde se seruyam, teendo muytos mantijmentos, e bem seguros de nenhunm comtrayro que lhe avijr podesse ( ... )>>, E depois de contar minuciosamente o modo como entraram na vila e se aproximaram da torre em que João Gomes de Lira se encelTOU, refere o facto de os parlamentares terem descido por um cesto, pois a porta estava a arder e não deixava passar ninguém, E como as conversações não resultaram, os parlamentares voltaram a subir nos mesmo cestos, e os conselheiros do Rei «lhe deziam que os leixasse afogar todos, ca bem merecedores eram delIo por se assy afoutarem contra elIe. EI-Rey talI temçom tinha. E Vaasquo Martijnz de MelIo dizem que disse a el-Rey que fosse sua merçee dauer doo de Tareija Gomez sua molher, que andaua prenhe, e de seus filhos, posto que filha fosse de Vaasquo Gomez dAureu que estaua em seu deseruiço, e os nam leixasse morrer de tam cruel morte. El-Rey por seus aficados rogoas, e mouido com piedade, mandou que nom combatessem mais; e deçerom sua molher de Lopo Gomez per cordas em huum çesto, e assy cI e os outros, cada huum como melhor e mais aginha podia, delIes cheirando bem a fumo, e outros que se começauom ja de chamuscar») Nam fas a caronica mençam dos filhos de lopo gomes se os teue da dita donna maria enes do canto, a quoal depois de ueuva cazou segunda ves em galiza com Joam fernandes de souto mayor morgado daquella caza, cuio desçendentes hoie a pessuem, e sam claros fidalgos desçendentes desta donna maria enes por que ouueram dous filhos baronis, o primeiro se chamou do souto mayor pella obrigaçam do morgado e caza e o segundo se chamou Vasco affonço do canto que por ficar pobre se lançou em Portugal já velho se veyo a cazar entredouro e minho e morreo em guimaranis onde alguns annos fes sua vivenda em hum cazal nobre no campo da feira j unto ao mosteiro da costa lhe ficou hum filho que se chamou João enes do canto, o quoal foi cazado com françisca da silua filha de Joam brabo da silua, e fes sua vivenda em guimarains vivendo já mais Rico que seu pai com algumas herdades que delle lhe ficaram, e outras que lhe derão em cazamento, o que todo hoie está em morgado e o pesuem huns bisnetos bastardos do dito Joam enes por hum conserto que Pedro enes do Canto e Antonio do Canto arsipreste, seu Irmão fizeram os quoais ambos heram filhos legitimos do dito Joanne enes do canto, e de sua molher que he o cazal do campo da feira, e outros cazais e herdades sobre que o suplicante corre demanda ha poucos annos ( ... ). No mosteiro de sellanoua (Mosteiro de San Salvador, em Celanova, a cerca de 4 léguas a sul de Orense, na base do Monte Laboreiro, da Ordem de S. Bento, fundado em 935 por São Rosendo, bispo de Mondofiedo) esta huma sepultura metida na parede com hum letreiro que dis aqui Jás Donna Maria enes do Canto Rica donna molher de Joam femandes de Souto mayor».